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Necropoder: quem pode, sonha; quem não pode, não dorme.

Atualizado: 24 de fev. de 2021



A infância é um sonho, porque concretude exige existência.


E mesmo sonhar necessita de alguma tranquilidade, para que a mente divague, para que as pálpebras se pousem libertando novas dimensões para o olhar. E, então, me pergunto como dorme mãe de um filho desaparecido? Quem procura aqueles que são invisibilizados? Como se constrói o sonho da infância entre tantas manchetes de balas que atravessam um corpo preto desde a mais tenra idade desconstruindo a ingenuidade de filhos e filhas, mães e pais, famílias inteiras?


Desde 27 de Dezembro de 2020 o sono está interrompido, o sonhar mais uma vez se transforma em resistir. O sonho de um inicio de ano de paz, é uma realização para poucos. Afinal, é preciso resistir ao esquecimento, ao silêncio, a solidão e ao medo. Para as famílias negras só é permitido sonhar com a justiça, amargo sonho, no país da desigualdade. Mas, é admirável que entre tanto fel o povo preto não pare de sonhar e, por consequência, lutar.


Como as mães de maio na Praça da Sé; como a mãe de Miguel – Dona Mirtes que ao ter seu filho assassinado pela negligência de sua ex-patroa, tornou-se estudante de direito; Lídia que viu suas duas netas serem atravessadas por uma só bala, e torce para que o policial responsável seja julgado na justiça dos homens; como Alexandro que fechou o túmulo de sua filha de três anos com as próprias mãos; os exemplos são tantos.


Há 32 dias, três meninos pretos desapareceram, se a mais de um mês a justiça ainda é uma luta constante, a mais de cinco séculos igualdade ainda é um sonho.


Mas, ainda há esperanças para que pelo menos a infância possa se tornar concretude. É muito triste que pouco se comente sobre esse e tantos outros casos entre o nosso povo.

É doloroso ver a concretude dessa necroinfancia que marginaliza nossa existência desde os primeiros meses de vida, que invisibiliza nossa ingenuidade antes mesmo que saibamos falar.

Sigo na esperança, no sonho ativo que é a luta pelo fim das desigualdades. 2021 vai começar, quando encontrarmos nossos meninos de Belford Roxo.


  • O grupo de pesquisa Laroyê publica textos selecionados, oriundos dos trabalhos das disciplinas ministradas pela Profa. Ellen Souza, na UNIFESP, com a autorização dos discentes. Outras publicações possíveis são as dos membros do Grupo de Pesquisa Laroyê e/ou parceiros. Assim sendo, no momento, o blog/site não está aberto para publicações outras, devido à estrutura atual.

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