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Aimé Césaire, Discurso sobre o Colonialismo e Educação:

Como o Discurso sobre o Colonialismo pode ser aplicado em educação?





A colonização, como ato de dominação, opera em campos além do territorial. Com o intuito de aumentar a sua efetividade, são colonizadas as culturas, religiões, organizações sociais e formas de conhecimento de povos. E, mesmo após a dominação territorial ser aparentemente terminada com independências constitucionais, a colonização se perpetua e se reproduz indefinidamente nesses outros campos tão conectados às sociedades. É isso que Aimé Césaire denuncia no Discurso sobre a Colonialidade. Se a colonização está presente nesses campos, ela com certeza se encontra presente em um dos campos mais fundamentais para a sua conservação: a educação.


Desde o início do Discurso sobre o Colonialismo, Aimé Césaire já aponta para o problema: Antes de tudo, é preciso compreender que a “colônia” - nesse caso os alunos - não são colônias. Foram colonizados; colocados, postos nessa forma. O ser aluno (que já gera numerosas discussões por só), se visto como uma condição, limita a relação que se dá na sala de aula. Uma maneira diferente, e mais realista de abordar essa situação (de ensino) é como ato: um grupo de pessoas se encontra em um ambiente propício para trocar informações.


Cesaire cita Carl Siger (Pseudônimo de Charles Régismanset, diplomata francês) que escreve, sobre a colonização, que as colônias, ou, como referidas na citação, “Países novos”, se mostram mais abertos às “atividades individuais”(), podendo se tornar uma válvula de segurança para a Metrópole (colonizadores). Interpreto que a citação traga por Césaire reflita uma visão que enxerga as colônias como telas em branco, que podem servir melhor para a implementação de normas dos colonizadores.


É importante tomar cuidado com a imposição de parâmetros que, apesar de “corretos” (concisos historicamente, filosoficamente e academicamente, etc.) distancie e faça os alunos ignorarem os conhecimentos que já perpassam suas vidas, ou até outros aprendizados que adquirem na vida escolar. Apesar de não ser possível evitar o conflito durante o ensino (aliás, não devemos evitá-lo, pois o conflito de crenças, quando propício, é importante para o aprendizado), mas evitar a criação de apatia dos alunos, ter atenção com a incidência de constante monólogos por parte do professor, e, mais importante, evitar a validação da narrativa unificada de que aluno em sala de aula “fica quieto e escuta”, pois “não sabe de nada”. Aproximar a educação com essa mentalidade vai de acordo com um formato industrial de educação, em que o aluno como sujeito pensante, à favor da “matéria”, é apagado. O processo a se evitar é a equação que Césaire anuncia: “Colonização = Coisificação”. Por motivos de concisão, essa forma de educação pode ser chamada de educação colonizadora.


É traga, no item 2, página 27 (Editora Livraria Sá da Costa, 1978), a menção de regresso, com Aimé Césaire se questionando que é isso que seu texto apoia e representa, ao defender as sociedades pré-coloniais. Essa menção é um contraponto do progresso que é argumentado estar presente na construção e desenvolvimento das Sociedades Ocidentais (de “Primeiro Mundo”/Capitalistas)


A questão do progresso também pode ser indicativa de um outro ponto, mais conceitual, primário e abrangente, mas que serve como base para diversas mentalidades que sustentam a noção de progresso: A de Universais.


Um Universal é um conceito oriundo da metafísica e já é acompanhado de uma história polêmica na própria filosofia, sendo representado por ele um conceito ou palavra que represente diversos particulares (“homem” inclui diversos exemplos particulares de homens). Com a discussão já vindo desde a filosofia grega, parece redundante questionar a natureza dos universais, sua existência ou não. Porém, ao colocar esse conceito no contexto da educação colonizadora, ele toma outras proporções: Independente da natureza dos universais, uma posição é tomada ao educar. E, independentemente de qual a posição tomada, a universalidade é considerada (assumir que não há universais também é um universal). Com isso, surge o problema que aqui se aplica; a exclusão.


Tomando que há apenas um único universal representante da “natureza” das coisas, é inferido, nessa lógica, que casos que não se aplicam não são pertencentes, portanto, excluíveis. Um exemplo seria a questão do termo negro, termo usado para referir-se à pessoas de descendência africana, após as diásporas causadas em maior parte pela tráfico humano, durante a época da escravidão. “Negro”, durante um tempo (não tão distante) na história, referia-se à algo diferente de “homem”, ou “humano”, e mesmo aqui retornando à problemática do conceito de universalidade, sua aplicação vai se encontrar, com o problema se vazando para a compreensão de universalidade.

Universais (aceitos ou não) se tornam um problema quando são retirados de seu contexto e de sua história, transformando-se em ferramentas de apagamento e epistemicídio; algo muito perigoso na educação, e caracterizador da educação colonizadora. Agir com cuidado e educar sobre esse problema não envolveria discutir e questionar cada universalização da língua(isso daria o trabalho acadêmico de uma vida), mas sim desenvolver a atenção do professor e dos alunos com questões como as da exclusão, contextualização e interpretação em aula. É provocar a prática da reflexão.

O problema desse universal da educação colonizadora é pré-determinar o outro.


{Transpor tudo em palavras causa problemas como esse. A educação é mais que palavras}


Há filósofos, como György Lukács (1885 - 1971), que argumentam que empreendimentos intelectuais, como os da filosofia ou da ciência, ou do pensamento no geral, são a tentativa do ser humano de se conectar com o mundo. O mundo e o ser humano (ou a consciência do ser humano) se encontram em conflito desde o momento que começa a se refletir sobre cada um; mas, ao mesmo tempo, o consciente procura se conectar com o mundo. Se isso pode ser considerado uma verdade, então a concepção de Universais é tanto justificada quanto condenada. Justificada (ou, ao menos, explicada) porque a busca por Universais faz parte do ato do ser humano de procurar a totalidade. Condenada, porque, ao criar um Universal, ele existe sobre um ambiente manipulado, inorgânico. Interpretando por um ponto de vista sócio-cognitivo: se há um Universal, ele é excludente.


Mas, levando questões como essas em consideração, muitos outros problemas surgem: Temos tempo suficiente para discutirmos isso? Em 100 ou 80 minutos de aula por semana (assumindo que hajam duas aulas de 50 a 45 minutos por sala,na semana) é possível trocar experiências com quantos alunos? Em salas superlotadas, quantas conversas são possíveis de se ter? Em uma educação inserida em um sistema que é totalmente voltado para a mercantilização do aluno, como isso é possível?

Refletir sobre os problemas e hipoteticamente desmantelar esse sistema de ensino é frutífero, mas a realidade é que nele iremos operar. Reflexões por si só não vão reformá-lo. De que maneira, como o professor, sendo um dos principais agentes efetivadores desse sistema de ensino/colonização, pode agir para transformá-lo? Ou então, a menos, transformar a forma que ensina? A resposta, com certeza, não vai ser dada apenas pelos educadores, ou idealizadores do sistema de ensino, mas também pelos alunos da ocasião.




  • O grupo de pesquisa Laroyê publica textos selecionados, oriundos dos trabalhos das disciplinas ministradas pela Profa. Ellen Souza, na UNIFESP, com a autorização dos discentes. Outras publicações possíveis são as dos membros do Grupo de Pesquisa Laroyê e/ou parceiros. Assim sendo, no momento, o blog/site não está aberto para publicações outras, devido à estrutura atual.





Referências Bibliográficas


CESAIRE, Aimé, Discurso Sobre o Colonialismo. Trad: Noémia de Sousa, 1ª Edição, Editora Livraria Sá da Costa, Lisboa, 1978


MBEMBE, Achille, Crítica da Razão Negra, Trad: Marta Lança, 2ª Edição, Editora Antígona, Lisboa, 2014


LUKÁCS, Gyorgy, A Teoria do Romance, Trad: José Marques Mariani de Macedo, 1ª Edição, Editora 34, São Paulo - SP, 2000


https://fr.wikipedia.org/wiki/Charles_R%C3%A9gismanset


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