Uma das ideias mais conhecidas de Simone de Beauvoir em seu livro O Segundo Sexo de 1949 é a de que nós não nascemos mulheres, mas nos tornarmos. Pode se entender então que aprendermos a pensar, agir e até mesmo falar de acordo com o que determinada cultura identifica como o feminino e masculino e nos empurra a partir do nosso sexo biológico. Determinar e estudar esses conceitos de gênero é indispensável e se faz necessário na educação afinal, estudar e entender como estes afetam as crianças em seu processo de aprendizagem nos permitirá compreender a construção das desigualdades, dos estereótipos, das relações de poder em nossa sociedade que já se apresentam desde a infância.
Entretanto, se torna preciso que se note que vivemos em uma sociedade heterocisnormativa e que pessoas que não se encaixam nesses padrões, aqui cito diretamente pessoas transgênero e não-binárias, são diversas vezes privadas de direitos básicos.
De acordo com a ONG Transgender Europe, o Brasil é a nação com o maior número absoluto de homicídios de pessoas trans. Entre 1º de janeiro de 2008 e 31 de dezembro de 2016, 938 assassinatos foram relatados no país. A organização reúne dados de instituições locais, como a Rede Trans Brasil. Os homicídios transfóbicos em território brasileiro representam 40% do total de 2.343 assassinatos notificados nas 69 nações que são monitoradas pelo projeto europeu. Com isso podemos perceber que a violência direcionada a este grupo está longe de acabar e muitas vezes não é nem mesmo alvo de discussões, e mesmo sendo considerado um crime, afinal a homofobia e a transfobia enquadram-se no artigo 20 da Lei 7.716/1989, que criminaliza o racismo.
Assim como nos textos que lemos creio que seja de suma importância que nos coloquemos contra normas e convenções que restrinjam as condições da própria vida, como respirar, desejar, amar e viver. Coloco então em pauta o uso da neolinguaguem, quem não conhece o termo deve ter conhecido esse mesmo tópico por outros dois: linguagem neutra ou linguagem não-binária. Enquanto toda uma comunidade se uniu a favor do uso, e do estudo em relação a este tema, muitos foram contrários, fazendo piadas de caráter duvidoso e até mesmo muitas que insinuavam que ataques físicos deveriam ocorrer com os usuários da neolinguagem.
E assim como na história de lutas da comunidade negra em que se desenvolveram protestos e luta pela libertação negra, como explicita Angela Davis, e pessoas do mundo inteiro se inspiraram no movimento pela liberdade a fim de enfrentar condições de opressão também hoje em dia podemos ver a comunidade LGBTQIA+ se juntando para validar um conceito já usado normalmente dentro do grupo.
Obviamente existe uma questão temporal, nada acontece de uma hora pra outra e a parcela social que não necessita dessa mudança, cisgêneros, levarão mais tempo pra entender essa necessidade e sua importância entretanto mas o que mais me intriga é essa não aceitação da mudança, que é claramente relacionada ao conservadorismo e não aceitação do não-binarismo.
Mas novamente como colocou Angela Davis “ é importante pensarmos adiante e imaginarmos a história futura de um modo que não esteja restrito a nosso próprio tempo de vida. Muitas vezes as pessoas dizem: ‘Bem, se demorar muito, já terei morrido’. E daí?” (DAVIS, 2018,)”
Em contrapartida nunca vi uma "mudança linguística" ser tão zombada e desmerecida imagino que isso aconteça, nesse caso, porque as pessoas que zombam e não aceitam essa nova linguagem na verdade não tem problema com o pronome neutro em si, e sim com quem necessita da sua existência, e apenas tentar mascarar seus preconceitos a existência de agêneros, bigêneros, ou qualquer um que não se encaixe dentro do “padrão. Pois “tal como o conhecemos historicamente, à escala societal o poder é o espaço e uma malha de relações sociais de exploração/dominação/conflito.” ( QUIJANO, Anibal. p.73)
Pudemos ver então que a educação deve ser uma aliada no combate à discriminação num geral, já que a instrução é inimiga da ignorância. Assim, trazer essa diversidade para a realidade do aluno, e mostrar que existem outras realidades que não a dele, seria extremamente benéfico para a sociedade, que entenderia melhor as questões de gênero e como elas afetam a todos e não só a comunidade LGBTQIA+, apesar dela ser uma das mais afetadas.
Então, usamos das palavras de Bourdieu para podermos chegar nessa conclusão: a educação é reprodutora das desigualdades na nossa sociedade. Se esse é o nosso caso, e a educação atual reforça valores prejudiciais, que efetivamente matam parcelas de nossa população, nós deveríamos considerar a adição de pautas de gênero nas salas de aula, para desconstruir certas concepções nocivas e trazer uma luz para a existência da pluralidade.
O grupo de pesquisa Laroyê publica textos selecionados, oriundos dos trabalhos das disciplinas ministradas pela Profa. Ellen Souza, na UNIFESP, com a autorização dos discentes. Outras publicações possíveis são as dos membros do Grupo de Pesquisa Laroyê e/ou parceiros. Assim sendo, no momento, o blog/site não está aberto para publicações outras, devido à estrutura atual.
REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA
DAVIS, Angela. A liberdade é uma luta constante. São Paulo: Boitempo, 2018
SANTOS, Boaventura de Sousa; MENESES, Paula (orgs). Epistemologias do Sul. São Paulo: Cortez, 2010.
Sobre os dados sobre a transfobia fornecidos pela ONU. Disponível em: https://brasil.un.org/pt-br/82264-especialista-da-onu-alerta-para-exclusao-estrutural-da-popul acao-trans
コメント