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Sobre crianças negras, corpos & educação




De acordo com o capítulo VII – Da Família, da Criança, do Adolescente, do Jovem e do Idoso do Art. 227, da Constituição Federal


É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.


Porém, não é isso que observamos no nosso cotidiano ao acompanharmos os noticiários na TV. Junho de 2020: “Criança de 5 anos morre após cair do 9º andar de prédio no Centro do Recife”; patroa não teve paciência ao lidar com a criança, enquanto mãe de Miguel na condição de empregada doméstica levava o cachorro dos patrões para passear. Para o Prof. Renato Nogueira da URRJ, Miguel Otávio não teve direito a infância ao ser considerado um “adulto em miniatura”. Janeiro de 2021: “Menino que vivia acorrentado em Barril é resgatado pela polícia”; criança de 11 anos é torturada pela própria família, no qual a família é ou deveria ser primeira instituição social, provedora de educação, cuidados e proteção, testemunhamos o oposto. A infância, portanto, não é feliz para todos.


O que essas crianças têm em comum? São crianças negligenciadas que não tiveram seus direitos constitucionais assegurados. Vale ainda salientar que trata-se de crianças negras, de camadas populares. Afinal, qual é o valor dessas crianças para a nação? O que esses corpos representam e como a mídia as trata? Como a grande massa privilegiada as enxerga simbolicamente? Aparentemente no caso Miguel de Recife, a patroa acredite não ter culpa sobre seus atos, mas e se fosse o contrário?

Em Necropolítica e Crianças Negras volume 8 a partir de pensamentos de Judith Butler, o Prof. Rosenilton Silva da USP, discute


- Quais corpos são considerados perdas e, portanto, dignos de luto? Se há corpos ou sujeitos que a vida elas importam menos, essas também são vidas cujo luto não é celebrado. [...] A violência sofrida é culpabilizada ao próprio negro.


De certo, centenas de casos como esses acontecem diariamente no Brasil e nem todos, ou boa parte sequer é noticiado. O choque? Não há choque. Pode ser que até exista em dado momento movimentação nas redes sociais, textos e comentários de repúdio, mas em menos de uma semana o assunto é trocado pela “bola da vez”, ora para descobrir quem matou Lineu na novela das nove, ora para quem ganhará a prova do líder do Big Brother Brasil desta quinta-feira. É mais legal me ocupar torcendo para o filho do Fábio Júnior, do que tomar alguma iniciativa na luta pela promoção de políticas públicas, porque fingir que está tudo bem comigo e com o meu próximo é mais legal também e na verdade, eu nem sei como se faz isso, não me ensinaram na escola, ou ainda, não me cabe esse lugar de fala, quando isso for um problema meu eu me posiciono. Porém, somos todos culpados!


Vivemos em tempos burros, enquanto notícias fúteis nos toma a atenção, esquecemos de cobrar as autoridades, bem como questionar decisões que por ela são tomadas. Não sabemos sequer votar neste país, enquanto o Brasil do século passado saía as ruas reivindicando direitos, hoje vivemos uma onda de retrocesso sem fim quanto a participação política. Lembrando que panelaço na varanda e manifestação com camisa da CBF não contam. Outras instituições e igrejas também contribuem para alienação, impondo o que se deve ou não fazer, o certo e o errado. É como se tudo fosse ser resolvido em um piscar de olhos, enquanto esperamos sentados no sofá no conforto de nossas casas. Mais uma vez o sistema se encarrega de oprimir seu potencial opositor.


Casos como dessas crianças são interpretados como acasos, destino, inevitáveis, pois crianças pobres e negras tendem a ter uma vida “mais difícil”, é natural que morram, levem um tiro, “POW”! Mais uma para estatística. É natural que se enxerguem como feias, pois não se reconhecem na figura do belo, não vê ou pouco vê pessoas negras na mídia, em cargos de liderança, de poder. É natural que encontrem dificuldades em processos seletivos de emprego, a serem maltratadas. Bebês bonitos são bebês brancos, cabelo bonito é o cabelo liso. Sociedade constituída a partir de um discurso de desqualificação, que desumaniza crianças negras, negros e mulheres.


A Profa. Dra. Ana Celia da Silva comenta no documentário Vozes Negras por Palmares, que ao perceber a insatisfação das crianças negras na escola quanto a citação de sua própria história, cultura, religiosidade, procurou analisar este porquê e descobriu que elas atribuíam a figura do negro ao ser mal. Ao investigar o fato constatou terríveis estereótipos do negro em livros didáticos. A partir daí concentrou suas pesquisas na desconstrução da discriminação do negro no livro didático. Alguns anos após o lançamento de três livros sobre a temática, encontrou aparências mais positivistas nos livros.

Sobre a importância do movimento negro ainda no Documentário Vozes Negras por Palmares, a Profa. Dra. Nilma Lino Gomes relata


- O movimento negro educa a sociedade brasileira, educa o estado, educa as instituições públicas e nesse processo de educação ele reeduca a si mesmo, quando reeduca a si mesmo constrói novas estratégias de luta e novas conquistas que melhoram não só a vida de negros e negras do nosso país mas melhoram a vida da população brasileira como um todo, porque o racismo é um mal que afeta a todos nós, o racismo deseduca a todos nós, não somente as suas vítimas.


Mas segundo a fala do Vice-Presidente da República “O racismo não existe no Brasil, estão querendo importá-lo”. Ser negro, pobre, mulher no Brasil é lutar constantemente por direitos que deveriam estar garantidos segundo a Constituição. A desigualdade, a marginalização e a segregação dos corpos são processos vistos como naturais. A figura do negro é compreendida como de ser forte, daquele que tudo suporta, enquanto ao mesmo tempo é taxada de sujeito incapaz para diversas atividades e papéis da sociedade. Para Profa. Dra. Ellen Souza da UNIFESP, tratar o racismo como algo estrutural é desonerar o estado. Posicionar-se, portanto, em todos os espaços é primordial, a todos cabe a fala. Todas as causas são de direito e dignas de respeito.



Sobre a autora: Thais Garcia Avelar é aluna do 4º termo de Pedagogia na Universidade Federal de São Paulo. Siga ela no instagram: @thais313_


  • O grupo de pesquisa Laroyê publica textos selecionados, oriundos dos trabalhos das disciplinas ministradas pela Profa. Ellen Souza, na UNIFESP, com a autorização dos discentes. Outras publicações possíveis são as dos membros do Grupo de Pesquisa Laroyê e/ou parceiros. Assim sendo, no momento, o blog/site não está aberto para publicações outras, devido à estrutura atual.



REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS


Constituição Federal (Texto compilado até a Emenda Constitucional n° 96 de 06/06/2017) Disponível em:

<https://www.senado.leg.br/atividade/const/con1988/con1988_06.06.2017/art_227_.asp #:~:text=227.-

,%C3%89%20dever%20da%20fam%C3%ADlia%2C%20da%20sociedade%20e%20do %20Estado%20assegurar,los%20a%20salvo%20de%20toda> Acesso em: 13 fev. 2021.

Youtube (2020, Agosto 23)


Documentário Vozes Negras por Palmares, 28:20min. Disponível em: <www.youtube.com.br/watch?v=5shAXCQXvso> Acesso em: 23 fev. 2021.

Youtube (2021, Janeiro 19)


Necropolítica e as Crianças Negras – vol.08 – Professor Rosenilton Silva de Oliveira, 1:53:04min Disponível em:

<https://www.youtube.com/watch?v=XaIYInS0h7g> Acesso em: 24 fev. 2021.

Youtube (2021, Fevereiro 19)


Necropolítica e as Crianças Negras – vol.09, 1:14:08 min Disponível em: < https://www.youtube.com/watch?v=D5GAIzwYqPg> Acesso em: 24 fev. 2021.


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